quarta-feira, 16 de abril de 2008

Data de Fundação da cidade de Fortaleza

Em 13 de abril de 1726, o rei de Portugal dom João V elevou o povoado que então se instalara às margens do riacho Pajeú à categoria de vila. Foi o início da história oficial de Fortaleza, que se comemora hoje. Mas não o princípio da ocupação do que hoje é a capital do Ceará - tampouco o início da presença européia no território. Na verdade, há registros de tentativa dos europeus de tomar posse da região há 405 anos. E a presença colonizadora permanente e definitiva data, pelo menos, de 359 anos atrás, em 1649. Mas, ao contrário do que os festejos de hoje podem dar a entender, a data e local do nascimento de Fortaleza já foram pivôs de uma das mais intensas e interessantes controvérsias intelectuais que a cidade já presenciou, há pouco mais de 40 anos. Até a década de 1940, era correntemente aceita a idéia de que Fortaleza nasceu na Barra do Ceará, a partir do Forte São Sebastião (foto no início deste artigo), fundado em 20 de janeiro de 1612 por Martins Soares Moreno - versão histórica romanceada por José de Alencar em Iracema. Coube ao historiador Raimundo Girão a defesa da tese de que a cidade hoje existente não se desenvolveu a partir da Barra do Ceará: seu núcleo de irradiação, a partir do qual a vila se expandiu e se transformou na atual cidade, teria sido o forte Schoonenborch, construído pelos holandeses comandados por Matias Beck, em 10 de abril de 1649, no local onde hoje está o quartel da 10ª Região Militar, ao lado do Passeio Público. Girão não ignorava que tivesse havido, não uma, mas três fortificações na Barra. Mas compreendia que todas as empreitadas fracassaram. A ocupação definitiva só teria sido empreendida pelos holandeses, 18 anos depois de Moreno ter deixado definitivamente o que hoje é o Ceará e cinco anos após a destruição da fortificação portuguesa. O domínio holandês foi efêmero. Em 1654, foram expulsos pelos portugueses e, no local onde fora erguido o Schoonenborch, construíram a Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, que dá nome à atual cidade, e em torno da qual se aglomerou a povoação que foi reconhecida como vila há 282 anos. O período durante o qual a controvérsia perdurou com fervor maior foi, sobretudo, entre os anos de 1961 e 1963. Girão, então secretário de Urbanismo da administração do prefeito Cordeiro Neto (1959-63) pretendia batizar uma rua com o nome de Matias Beck, além de mudar a data do aniversário de Fortaleza. Foi aí que se instaurou a polêmica nos meios acadêmicos, com desdobramentos políticos e religiosos. Defensor maior da tese de que Fortaleza nasceu na Barra do Ceará, o pesquisador Ismael Pordeus foi o mais rigoroso e sistemático dos argumentadores da ala batizada como morenista. De forma breve, pode-se situar o centro de sua argumentação na defesa de que há não ruptura, mas continuidade entre as experiências de ocupação lusitana e holandesa. Recorrendo a fontes históricas, destacava que o raio de ocupação dos portugueses já se estendia até a enseada do Mucuripe, e que a área próxima à margem direita do riacho Pajeú já era utilizada como porto por Martins Soares Moreno. Raimundo Girão, por sua vez, descartava a tese de continuidade funcional entre as edificações da Barra e do Pajeú. E ressaltava que a própria disposição urbana atual demonstra que Fortaleza teve como centro de irradiação o atual quartel da 10ª Região Militar. Desdobramentos O período de maior efervescência do debate se estendeu por pelo menos três anos, com retomadas esparsas posteriores. A questão mobilizou também os meios religiosos: a idéia de um fundador holandês e protestante não agradou aos meios católicos, que intervieram fortemente nas discussões. Sem falar dos desdobramentos políticos: a começar pelo próprio afastamento de Raimundo Girão de seu cargo na Prefeitura. A história está contada no instigante livro Soares Moreno e Matias Beck: inventário de uma polêmica nos escritos de Ismael Pordeus, de João Ernani Furtado Filho, editado pelo Museu do Ceará. A questão é que existe, no mínimo, mais de meio século de história de Fortaleza que é excluída com a fixação da atual data de comemoração do aniversário da cidade. Há projetos na Câmara Municipal que propõem a mudança do marco inicial do Município. O debate mais amadurecido sobre a questão parece recomendar que a comemoração remonte à instalação do Schoonenborch, sete décadas antes da data oficial de início da história fortalezense. Seja como for, o que parece claro é o equívoco de que se trata festejar o aniversário da cidade a partir de um ato protocolar do rei português, e não da dinâmica como se deu o nascimento de Fortaleza.
Fonte: Jornal O Povo, 16/04/08